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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Conselhos de um desentendido



Primeiro você tem que se esforçar;
Correr contra o tempo; brigar com o sol; ser amigo da chuva;
Desrespeitar toda e qualquer regrinha chata e pentelha.
Não se importe com o s conselhos: são palavras de covardes.
O que esta em jogo é sua continuidade.
Não acredite no que Ele te diz.
Ou acredite; mas, da sua maneira.
Procure. Pois, só quem procura acha.
“Na verdade verdadeira,
É um caminho sem beira.”
Disseram-me que ouviram falar
Nuns que gritaram
Do lado de lá.
Eu até acredito;
Só não consigo é provar.
Mas, o que importa é que não tem como escapar.
Cedo ou tarde, a morte vai te pegar.

Ângelo Felisbérto - Cachoeiro de Itapemirim, 23 de maio de 2011


domingo, 22 de maio de 2011

O último domingo

Já passa das três da manhã e meu rosto arde como brasa de fogão à lenha. Um buraco horrendo enfeita minha face, entristecida pelas tantas horas de UTI; ouço murmúrios de meus familiares, deformados por minha visão embaçada, são apenas vultos peculiares.
Eu sei: esse é o meu ultimo domingo. O meu desejo, último, é ir a missa, pela ultima vez; me confessar, para chegar bem no céu; queria poder assistir a final do campeonato carioca; queria comer a lasanha que minha mãe fazia aos domingos; queria ver a moça que pernoitava em meus pensamentos, moça que sumira assim que cheguei no hospital, há seis meses.
Eu sei: não realizarei nenhum de meus desejos. Eu não posso falar; ninguém me ouve, nem sequer meus olhos se abrem. Nada em mim funcionava sozinho. Eu querolembrar como cheguei aqui: “a ultima lembrança que tenho é o da brisa que sentia em meu rosto, enquanto pilotava minha Titan azul”. Onde esta minha Titan azul? Queria poder guiá-la pela última vez.
Ultima vez. Essa expressão me parece cada vez mais real com o passar dos segundos; agora comecei a tossir e o sangue vem visitar meus dentes, e voltam: engasgo; tusso de novo; e o sangue agora escorre pelo nariz. Minha impressão é de ouvir soluços, tento pedir para que eles parem, meus familiares, porque estão me incomodando, mas, em vez de voz, mais sangue; queria palavras, trouxe tosse.
Aquele aparelhinho, que antes era um bip, agora é um ensurdecedor zumbido, constante. Não consigo nem mesmo respirar, sinto choques em meu peito que estão me machucando; sinto como se alguém estivesse rasgando meu peito e tentando arrancar meu coração. Onde estão meus familiares? Ninguém vai impedir esse maluco de me matar com seus dedos em meio as minhas artérias? Abandonado e sofrido, não queria que fosse assim meu ultimo domingo.

Ângelo Felisbérto

A menina que morava no Vale da Lua.

Quando eu ainda tinha treze anos descobrir que estava apaixonado, a menina, quatro anos e meio mais velha, que conheci na missa de domingo, era linda, simpática e incrivelmente capaz de provocar-me taquicardia, ao menos comigo, que, quando estava com ela, não conseguia articular as palavras nem sequer dizer um bom dia, sem gaguejar umas dez vezes.
            Depois daquele dia, por varias vezes nos encontramos e nos permitimos conhecer-nos melhor. Mas, em mim, já era evidente a paixão adolescente. Agora, no auge da minha puberdade, em minha cabeça havia apenas dois assuntos: espinhas e Lucila.
            Encontrávamos-nos quase todos os dias na escola, eu no ensino fundamental e ela começando o ensino médio, devido a suas repetências. E, todos os dias, conversávamos e discutíamos. Por que ela não poderia me dar logo um beijo e acabar com minha aflição? Sempre muito carinhosa arranjava desculpas que me consolavam até o próximo encontro.
            Os dias se passaram e formaram meses; que se transformaram em anos de uma espera dolorosa e vazia. Agora, com quinze anos e com ainda mais espinhas, me sentia frustrado. Uma relativa amizade se estabeleceu entre nós e sempre a levava para casa, à noite, já que morava num recanto longínquo chamado Vale da Lua. Nesse percurso, relativamente extenso, por várias oportunidades, chegamos perto de nos beijar. Mas, sempre encontrávamos um empecilho entre nossos lábios: hora a idade, hora a amizade e hora, dolorosamente, outro cara.
            Eu ficava maluco da vida com essas situações, assim, achava que meu primeiro amor se transformara num amor platônico. Mesmo depois de algumas aventuras juvenis, ainda voltava e terminava meu dia frustrado com os quase beijos.
            Mas o dia chegou. E eu a beijei; cinco anos depois de nosso primeiro encontro. Não ouvi sininhos e nem vi estrelas, e foi relativamente normal. Por várias vezes nos atracamos, e aquilo que parecia meu motivo de existir se resumiu em alguns simples beijos, e como ela temia, aconteceu o afastamento súbito. Por alguns meses.
            Passado esses meses, agora eu com dezoito anos e ela perto dos vinte e três, nos encontramos numa festa em que, por vontade do destino, estava sem minha namorada, conversamos. No inicio só aquele papo de saudade: como você esta? Quais as novidades? Mas, terminou na minha maior loucura.
            Depois de nos beijar, enlouquecidamente, atrás da igreja, num ato de nostalgia, tive o intuito de acompanhá-la até sua casa. Porém, no meio do caminho, nos atracamos várias vezes, até chegarmos numa espécie de casa abandonada, em que entramos, e instantaneamente, tiramos a roupa; então, quando meu pênis encostou-se à sua vagina, senti um empurrão e sua voz chorosa cortou meus tímpanos argumentando que era virgem; que me amava e queria que eu fosse “o primeiro”. Nessa loucura da transição da adolescência para fase adulta, pensei um segundo e respondi que seria perfeito.
            Começamos, então, a nos beijar carinhosamente, na tentativa de restabelecer nosso “ritual de acasalamento”. Por vezes começamos e paramos na alegação de dor. Impaciente, tentei fazer com que ela fizesse sexo oral em mim para que eu ejaculasse logo e saísse daquela situação. Ela retrucou: disse que esse tipo de “coisa” ela não faria, nem morta; então, tentei, mais uma vez, penetrar meu pênis em sua vagina; e, devagar, fazíamos o que ela chamou de amor singelo, mas, minha afoita juventude me fez colocar o pênis todo de uma só vez e, subitamente, conseguinte a isso, ela caiu: com o rosto direto ao chão: tentei reanimá-la, com apenas um grito, mas não consegui: ela estava desmaiada. Com o susto, então, e com a roupa cheia do sangue virginal, me pus a correr, sem olhar para trás.
            Sentia-me um canalha, por deixá-la sozinha e, ao mesmo tempo, o medo torturava-me por dentro. E se tivesse matado-a? E se ela me acusar de estupro? E se? E se? E se? ...
            Não consegui voltar para casa e fiquei vagando pelas ruas; decidi voltar para vê-la e pedir perdão. Era tarde de mais: ela já não estava lá. O desespero do momento fez-me ligar para ela, porém, seu celular estava fora de área: fui, então, até a sua casa, mas, nenhum movimento. Aquele sábado foi o pior dia da minha vida.
            Passei o domingo todo tentando ligar, mas não conseguia falar com ela; terminei com minha namorada para desencargo de consciência e me dediquei a achar a minha paixão adolescente. Fui até sua casa, mais uma vez, gritei muito: mas, ninguém atendeu. Porém, ouvi vozes, lá dentro, e decidi invadir, não aguentava mais ficar sem saber o que haveria acontecido, realmente, com Lucila. No interior da casa, ela e o irmão jogavam baralho: ele, a me ver, instintivamente, me deu um soco no nariz; ela implorou para que ele parasse; e pediu para eu ir embora, insisti para que me deixasse explicar, ela me levou para seu quarto. Só consegui chorar e pedir perdão. Ela disse que estava tudo bem só não queria mais se lembrar disso; eu disse que a amava, ela apenas sorriu e, depois de um instante, ela disse, ironicamente, “eu reparei”. Deu-me um abraço forte e pediu para que eu fosse embora, eu disse que queria namorá-la: ela respondeu que não. Idiota, perguntei por quê? Lucila, apenas, disse que não me amava mais. Triste, sai de sua casa e quando estava perto do portão senti gosto de sangue na boca; após uma pontada forte nas costas; o grito de Lucila, mais uma vez cortou meus tímpanos, como antes já fizera, e tudo escureceu. Ela me perdoou, mas seu pai não, que da lavoura me avistou chegando e preparou a emboscada, foi ele quem a achou no estado que a deixei, naquela casinha, e a levou para casa. Imagine ver sua filha com a calça abaixada, cheia de sangue, desmaiada numa casa abandonada. Eu quereria matar-me também.
            Um ano depois, somente, despertei do coma: não sentia minhas pernas nem braços; apenas a boca seca. A primeira pessoa que vi foi Lucila que chorou quando me viu abrir os olhos, minha primeira e única palavra naquele dia foi: “Perdão?”. Ela disse para eu ficar bem e que ela nunca sairia do meu lado, essa afirmação doeu mais que o tiro que seu pai me dera. Lucila disse que me amava e que o pai dela estava preso; disse ele, segundo Lucila, estar arrependido. Não ouvi mais nada depois disso e meus olhos embaçaram. Mas, quinze dias depois, acordei e vi minha ex-namorada: Ester, com a qual terminara um dia antes do tiro. Perguntei de Lucila: Ester chorou e disse que me ama mais que ela, que eu escolhi a pessoa errada; disse que rezava por mim e que me esperaria. Antes de sair, disse que Lucila cansou de esperar e resolveu não adiar mais o casamento, por minha causa.
            Duas semanas mais tarde, sai do hospital, em uma cadeira de roda, e fui para casa. Recebi dezenas de visitas, e Lucila? Nem sinal. Um amigo, dos tempos de escola, disse que ela foi morar na Espanha com Jorge, meu melhor amigo.
            Agora, trinta anos depois, ainda sonho com Lucila; mas durmo com Ester: que se casou comigo e aguenta minhas rabugices. Continuo na cadeira de rodas, mas, agora sinto e mexo meus braços, virei pintor de quadros, porém, nunca vendi um. Ester e eu vivemos com minha aposentadoria de invalidade: é assim que eu defino-me: inválido. E o trabalho como enfermeira de Ester é o que nos salva.  Nunca mais vi Lucila. A última lembrança concreta que tenho dela é um cartão que me mandou; dizendo estar feliz com minha melhora e justificando-se não ter me abandonou, apenas deixou que Ester, que é quem minha ama de verdade, cuidar de mim.

Ângelo Felisbérto