Já passa das três da manhã e meu rosto arde como brasa de fogão à lenha. Um buraco horrendo enfeita minha face, entristecida pelas tantas horas de UTI; ouço murmúrios de meus familiares, deformados por minha visão embaçada, são apenas vultos peculiares.
Eu sei: esse é o meu ultimo domingo. O meu desejo, último, é ir a missa, pela ultima vez; me confessar, para chegar bem no céu; queria poder assistir a final do campeonato carioca; queria comer a lasanha que minha mãe fazia aos domingos; queria ver a moça que pernoitava em meus pensamentos, moça que sumira assim que cheguei no hospital, há seis meses.

Ultima vez. Essa expressão me parece cada vez mais real com o passar dos segundos; agora comecei a tossir e o sangue vem visitar meus dentes, e voltam: engasgo; tusso de novo; e o sangue agora escorre pelo nariz. Minha impressão é de ouvir soluços, tento pedir para que eles parem, meus familiares, porque estão me incomodando, mas, em vez de voz, mais sangue; queria palavras, trouxe tosse.
Aquele aparelhinho, que antes era um bip, agora é um ensurdecedor zumbido, constante. Não consigo nem mesmo respirar, sinto choques em meu peito que estão me machucando; sinto como se alguém estivesse rasgando meu peito e tentando arrancar meu coração. Onde estão meus familiares? Ninguém vai impedir esse maluco de me matar com seus dedos em meio as minhas artérias? Abandonado e sofrido, não queria que fosse assim meu ultimo domingo.
Ângelo Felisbérto
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