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domingo, 22 de maio de 2011

O último domingo

Já passa das três da manhã e meu rosto arde como brasa de fogão à lenha. Um buraco horrendo enfeita minha face, entristecida pelas tantas horas de UTI; ouço murmúrios de meus familiares, deformados por minha visão embaçada, são apenas vultos peculiares.
Eu sei: esse é o meu ultimo domingo. O meu desejo, último, é ir a missa, pela ultima vez; me confessar, para chegar bem no céu; queria poder assistir a final do campeonato carioca; queria comer a lasanha que minha mãe fazia aos domingos; queria ver a moça que pernoitava em meus pensamentos, moça que sumira assim que cheguei no hospital, há seis meses.
Eu sei: não realizarei nenhum de meus desejos. Eu não posso falar; ninguém me ouve, nem sequer meus olhos se abrem. Nada em mim funcionava sozinho. Eu querolembrar como cheguei aqui: “a ultima lembrança que tenho é o da brisa que sentia em meu rosto, enquanto pilotava minha Titan azul”. Onde esta minha Titan azul? Queria poder guiá-la pela última vez.
Ultima vez. Essa expressão me parece cada vez mais real com o passar dos segundos; agora comecei a tossir e o sangue vem visitar meus dentes, e voltam: engasgo; tusso de novo; e o sangue agora escorre pelo nariz. Minha impressão é de ouvir soluços, tento pedir para que eles parem, meus familiares, porque estão me incomodando, mas, em vez de voz, mais sangue; queria palavras, trouxe tosse.
Aquele aparelhinho, que antes era um bip, agora é um ensurdecedor zumbido, constante. Não consigo nem mesmo respirar, sinto choques em meu peito que estão me machucando; sinto como se alguém estivesse rasgando meu peito e tentando arrancar meu coração. Onde estão meus familiares? Ninguém vai impedir esse maluco de me matar com seus dedos em meio as minhas artérias? Abandonado e sofrido, não queria que fosse assim meu ultimo domingo.

Ângelo Felisbérto

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